o pior que se pode dizer a uma pessoa que acha que tudo lhe acontece é

(a dois meses do casamento)

tem cuidado na neve que não deve dar muito jeito enfiar uma perna engessada no vestido de noiva

procuro

a minha inspiração e sentido de humor
Enquanto esperava que o cabelo secasse, sentei-me a ler. A dor no pescoço acentuava-se e volta e meia corregia a postura. Concentro-me para que consiga avançar na história. Mergulhei na sessão de hipnose que a personagem estava envolvida, passeei por Nova Iorque por nomes de ruas que vou conhecer pessoalmente, distraí-me na praça onde estava o funanbulo. Quando senti o peso do livro tombar-me as mãos, deitei-me e sonhei com a casa familiar mas onde faltava o espelho, aquele espelho à saída da porta que me lembrava como eu era, quem eu sou. E do livro ficou a frase "só quando vemos os mortos é que conseguimos perdoar os vivos."

(ironia)

D.José Saraiva Martins diz que homossexualidade não é normal. Uma perguntinha D.José, normal é o homem e a mulher, certo? Normal não são as pessoas sentirem-se bem e completas? Normal não é a sinceridade, honestidade e felicidade e ter princípios e tudo o que a igreja defende? Normal, pelos vistos, será um homem e uma mulher serem casados e como actividade extra curricular arranjarem outras pessoas para se divertirem, para darem cor à vida, para se sentirem vivos, mas mantendo a normalidade de um casamento monótono e entediante, para inglês ver. Melhor! Normal será o homem e a mulher casados e normalmente felizes e que bem escondidinhos, no armário e longe dos olhares das pessoas normais, terem uma pessoa do mesmo sexo que os satisfazem e com a qual não precisam de serem actores na hora H. Normal será o padre da paróquia ter uma governanta e sobrinhos a correr pela casa que por acaso, vá-se lá perceber, são mesmo parecidos ao tio.
Para mim normal é não julgar ninguém nem colocar rótulos, é deixar as pessoas serem quem são, só.
[e sim, gosto de homens, muito (não de todos, obviamente)]

Voo rasteiro

Sorte é estacionamento à porta quando chove torencialmente. É acordar à hora quando o despertador não toca. É descobrir o brinco perdido no meio da camisola.
Muita muita sorte é encontrar o parafuso minúsculo que se soltou dos óculos de sol.

Não é bem dizer não é bem

Querem-me no mesmo saco. Tenho de ser jovem e boa e resolvida e inteligente e confiante e tudo. Vão-me dizendo que pareço mais velha do que sou, que preciso de fazer e ter e pertencer a tudo o que é moda, para ser da moda.
Não é bem dizer não é bem, giro é dizer fixe, fixe é dizer miga.
Não é bem rir do mal dos outros (é quando vem mesmo lá do fundo), fazer piadas sobre o tio que é mudo ou autista vá..., chamar chocolate ao bombom do professor de cor, ou preto, (gosto de preto), dizer que qualquer dia atropelo o cão histérico da rua onde trabalho ou que até me apetecia aceitar treinar mariposa, num lugar seco e confortável, com o stôr casado (stôr é fixe).
Não é bem ler a exame na casa de banho (só), comprar a sábado pelos livros ou uma visão dar para um mês (e ainda sobrar).
Não é bem dizer que gosto do 14 de Fevereiro mesmo não tendo namorado porque o pai dá prendas, sempre deu, nem é bem recusar sair com os amigos que têm carros topo de gama por causa da merda do medo.
Não é bem trocar os saltos pelos rasos, a maquilhagem pela palidez, o justo pelo largo e as certezas pelas dúvidas.
Não é bem dizer que não tenho msn nem hi5, nem ter opinião sobre tudo, nem não querer ser a melhor, sempre.

Aconchega-me quereres vingar-me.

Sabes… foi como te disse, o coração voltou à arritmia, saltou disparado e o nó apertou. Isto de pontapear o morto não me satisfaz. O morto quando parte, ou quando admitimos que sustentar-se com respiração artificial não é forma de viver, leva o nosso coração, cabeça, e tudo o que nos faz falta para continuar sem ser em piloto automático, e depois do choque e da raiva e de perguntar o porquê e de querer que cada lágrima seja recompensada e sentida pelo morto, vem o luto. O luto é de cada um. O meu luto é só meu. Nem eu sei pôr em palavras o que preciso para enterrar o morto. Os sentimentos é que vão dando dicas sobre a melhor forma de o fazer. Pontapear quem já está de olhos fechados para nós não é a minha forma, nem chega esperar por um último suspiro, porque vai ser o último na mesma, nem nunca lhe vai doer como me doeu a mim, porque as minhas dores são só minhas. Pontapear o morto só vai trazer mais dores e o meu luto passa por cicatrizar as feridas para aliviar as dores. E enterrar.


Podemos ter toda a família, todos os amigos, todos os grupos, a gostar de nós pelo que somos, mas existem momentos em que uma pessoa que não conhecemos e da qual gostamos só porque sim faz a diferença e ajuda cicatrizar mais um pouco.

foi rápido, está a melhorar o sistema nacional de saúde

Saio a correr. Espero a correr que as pessoas desaguem dos seus carros e que me reste um espaço. Confio a chave que tem a máquina fotográfica no porta luvas, a casca da banana que comi a correr para ter energia para mais correr, as listas de 2007, a água morta e morna e as partículas de lugares, ou vulga terra, de todos os lados. Confio a chave a quem nunca vi. Quem nunca vi não tem nome e veste uma roupa igual a todos os outros que nunca vi também. Saio a correr por dentro e pausadamente pergunto se é ali. Sou olhada de lado, olham de lado os óculos escuros, o livro debaixo do braço e/ou a minha cara de nojo que os lugares fechados, abafados e cheios de gente me provocam. Sento, abro, ouço e entro. Outro que nunca vi, também de farda. Reconheço que confio mais, em quem nunca vi, do que pensava.

era uma vez...

uma princesa que andava de mota e tomava conta da avozinha aos fins de semana. A princesa quando saía de casa da avozinha metia o capacete mal cheiroso devido à chuva que apanhava e acelerava até à confeitaria do costume para tomar o pequeno almoço. Na confeitaria do costume trabalhava o príncipe. O príncipe era um belo jovem com bom porte e um sorriso lindo cheio de personalidade proporcionado pela imperfeição de uns dentes reais. A princesa de cara lavada com o seu ar anémico e cabelo desgrenhado a cheirar a gasolina queimada, pouco sorria, tinha a mania de não querer parecer parva e a certeza que ele era príncipe a mais para ela, para não falar do facto de ser sempre exageradamente cedo na hora. O príncipe sabia o seu pedido, a princesa mesmo que lhe apetecesse qualquer outra coisa não fazia a desfeita ainda que isso limitasse os diálogos ao bom dia e é o do costume, matando assim o diálogo possível entre os apetites e as sugestões.

Entretanto a avó da princesa morreu, ela comprou um carro e descobriu o milagre chamado maquilhagem. O príncipe por sua vez acabou o curso superior, entregou o avental e foi dar aulas para longe, isto no tempo em que os professores ainda eram colocados e a Maria de Lurdes Rodrigues não lhes fazia a vida negra.

Passados cinco anos a princesa, num dia de chuva, frio e vento, ou seja, num dia normal, saiu da lareira e rumou sozinha à fnac para assistir ao lançamento de um livro. Enquanto esperava e fazia de conta que estava concentrada a ler o dito, chegou-lhe a voz que tantas vezes ouviu dizer bom dia, é o do costume? quando olhou não hesitou em fixar as pupilas dilatadas. Era o príncipe, mais gordito mas igual. Ele não reconheceu logo a princesa, olhou rápido e desviou, ao raciocinar apercebeu-se que era ela, embora mais gira e mais magra, disse-lhe olá viva! com o mesmo sorriso que a falta do aparelho, felizmente, manteve, e logo a seguir pregou um beijo apaixonado na rapariga que falava alto com a amiga na mesa ao lado.
Fim.

mas lá chegarei

pediram-me mais de duzentos euros para estarem em cima de mim a dizer, devagar, aguenta e já falta pouco
disse-lhe, para já não...

sei pouco de latim

a desintoxicação tem fases, sinto-me no enojo

e

etcetera

capacidade de me desfocar do essencial atendendo aos pormenores

São os tiques(?) do Jorge Palma ao vivo que me levam as letras. A tranquilidade e segurança da voz do Prof. Júlio Machado Vaz nas manhãs de domingo que me afasta do conteúdo. E as imagens da anca com vontade própria do moço que, esta tarde na mesa ao lado, contava como tinha sido o concerto dos Kaiser Chiefs, para o qual ganhei bilhete (numa altura em que todos me questionavam onde andava a minha piada e consequente sorte nos passatempos) e que caprichosa/merdosa/preguiçosamente não fui, que me congelou a audição ficando sem saber o que perdi.